domingo, 3 de abril de 2011

Lembranças de José Alencar


 Compartilho com voces o artigo de sábado, 01.045.2011,  no Correio Braziliense, seção de Opinião.  Minhas lembranças da convivência com José Alencar, um tipo de politico em extinção: os que nao precisam da politica para nada, exceto para servir ao pais, com ele contribuir de alguma forma. Alencar teve um carrreira curta mas fulgurante, intensa, republicana no melhor sentido da palavra, o do compromisso integral com a defesa da coisa pública. Minhas lembranças são pequenas, modestas mas espero que contribuam para a preservação de sua memória, agora que elese foi mesmo, depois de muito nos ameaçar com isso mas acaba vencendo o câncer.



Lembranças de José Alencar
           
                       
            Fui ao Planalto no final da manhã de  quarta-feira despedir-me de José Alencar. Seu corpo chegara há pouco mas eu viajaria à tarde, e não iria sem lhe dizer adeus.  Pensei encontrar um salão ainda vazio e passar como uma sombra mas lá já estavam meio Congresso e meio Governo. A presidenta Dilma, o presidente Lula e comitiva chegariam de Portugal à noite.  Naquele mundo de que ando  afastada, vi gente de tempos e partidos diversos,  do Governo, da oposição, do olimpo atual e do vale dos caídos.  Mas eram políticos, ou pessoas da vida pública. Quando sai, já se formava no térro a ordeira e silenciosa fila de brasileiros comuns que queriam se despedir de Alencar.   Homens e mulheres estavam  ali, com naturalidade, na porta de um palácio que já teve seus tempos de fortaleza. Em outros, foi cidade proibida ao povo.   Agora, vão ao Planalto como sempre foram ao  Congresso e isso é obra do Governo de Lula e Alencar, que trouxe tantas mudanças para a nossa paisagem nacional.


            Como jornalista, tive em Alencar, mais que um informante ou fonte,  um interlocutor para a reflexão e a análise das situações políticas.  Conheci-o ainda candidato a senador por Minas, em 1998,  através de José Aparecido, que o apoiava na chapa de Itamar para governador.   Minas estava num daqueles seus suspiros de afirmação diante do poder central, e isso passava pela eleição de Itamar contra o governador que tentava a reeleição, Eduardo Azeredo.  Aliás, foi nesta eleição que Marcos Valério montou seu experimento de caixa dois centralizado, o valerioduto, mais tarde apresentado como “mensalão”. O cliente já era o  PT e não mais o PSDB.   A palavra e a narrativa do “mensalão” serviam melhor ao propósito político de, se possível, derrubar o governo de Lula e Alencar.  Itamar ganhou, derrotando sua criatura presidencial, Fernando Henrique Cardoso,  e Alencar chegou ao Senado como ave um tanto diferente.

Freqüentei muito seu gabinete da ala Teotônio Vilela,  e ainda que não arranjasse informação “nacional”, tinha notícias frescas de Minas.  De vez em quando, ganhava uma garrafa de Maria da Cruz, que mandava para um amigo em Portugal tirar melhor proveito.  Adriano, fiel escudeiro, sempre pronto a facilitar uma conversa telefônica quando era preciso.  

 Acompanhei muito de perto as articulações, cheias de idas e vindas, para a inclusão do PL de Alencar na coligação de apoio a Lula em 2002.  Lá em Belo Horizonte, Alencar era uma noiva para a esquerda. Lula ia lá com freqüência fazer a corte, cercado não só pelos petistas locais,  como Patrus Ananias,  Virgilio Guimarães, Fernando Pimentel,  Paulo Delgado, Sandra Starling, tantos.  A roda maior incluía o Célio de Castro,  que ainda era prefeito da capital, Sergio Miranda, do PC do B, Manoel Costa, do PDT,  uma algaravia, aquela gente quase toda mais jovem em torno do homem rico que podia ser o vice de Lula na campanha decisiva. Lula jurava que, se perdesse, não concorreria mais.   Estive numa delas.  Alencar,  um homem rico,  já entrado em anos, que não precisava da política para nada,  revelava gosto e paciência para a tertúlia,  a manha, a confubulação.  A política chegava tarde em sua vida mas chegava para lhe dar um prazer e uma realização que só a condição de empresário bem sucedido não trouxera.  E ele a exerceu com gosto e com paixão, e com naturalidade, como se tivesse passado a vida num partido.

            Recordo Alencar num almoço alegre, em junho de 2002, depois de sua oficialização como vice de Lula pelo PL. Servia pessoalmente um vinho português e irradiava contentamento.  O menino pobre de Caratinga que deu a volta por cima, virando rico empresário, agora voltava às origens como vice do candidato operário. Ele tinha este sentimento de reencontro e tinha certeza de que o governo de Lula faria bem ao Brasil.  Por isso, decidira dar um aval com seu nome, sua condição de empresário, sua credibilidade juntos às elites. Se não as convenceu, ajudou Lula a ganhar a parte da classe média que antes não votava nele.

             Guardo dele alguns cartões ou pequenas cartas, uma delas por ocasião de minha nomeação para a presidência da EBC/TV Brasil. Outro, muito recente, agradecendo um vídeo que enviei.  Recordo-o em tantas ocasiões, sempre feliz em seu oficio da maturidade,   no qual ingressara para servir, não para servir-se.

             Já se falou muito dele e de seus exemplos. Da luta do menino pobre para estudar, da luta do jovem ambicioso para ganhar dinheiro e vencer como empresário, da luta do homem maduro pela vida e contra o câncer.  Mas havia nele  também isso, o exercício prazeroso, lúdico e  limpo da política.     Tardia,  o que a vida política de Alencar teve de curta ganhou em intensidade e entrega,   e por isso sua partida calou tão fundo em tantos, especialmente nos milhares que foram ao Planalto se despedir dele.

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