quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Da India Paraguaçú à presidenta Dilma Rousseff

(Artigo publico no Correio Braziliense - 06.11.



Corria o ano de 1510 quando Diogo Álvares Correa naufragou na Pedra da Concha, enseada da Mariquita, hoje Bairro do Rio Vermelho, em Salvador. Deus uns tiros, virou Caramaru: o homem do fogo, para os índios. Ia ser devorado. Foi salvo pela índia Paraguaçu, que dele se engraçou. Tiveram muitos filhos, dando origem ao povo brasileiro. Casaram-se com a bênção da Igreja e nas terras de França ela virou Catarina. Mas ele dormia também com Moema, irmã de Paraguaçu, e tiveram Madalena Caramarú, a primeira mulher brasileira que aprendeu a ler e a escrever.

Depois vieram outras, algumas analfabetas, outras letradas: Quitéria, Joana, Isabel, Chiquinha, Berta, Cora, Pagú ou Carlota. Ana, Dulce, Raquel, Clarice, Cristina, Ruth, Benedita, Roseana, Marta, Rita, tantas e tantas outras...
É preciso invocá-las, ainda que para não dizer nada, nesta hora em que nenhum outro tema sobrepõe-se a fato inédito, a eleição de uma mulher brasileira para a Presidência da República. Dilma Rousseff é parte dessa lenta mas contínua caminhada das filhas de Paraguaçu, em sintonia com as mulheres do mundo, para vencer a sujeição e a exclusão do segundo sexo.

Numa campanha acirrada, que em alguns momentos transpirou ódio e rancor, e na qual alguns temas entraram pela porta dos fundos do oportunismo eleitoral, como foi o caso do aborto, Dilma e Marina foram quase como dois homens no primeiro turno. No segundo, acuada pela campanha insidiosa que a vinculava ao aborto e ao casamento entre gays, Dilma pouco falou de mulheres. Mas começou o discurso da vitória prometendo honrar as mulheres brasileiras para que, no futuro, seu feito se transforme num fato natural.

Mas, representando 52% do eleitorado, estamos longe ainda da equidade na ocupação da esfera de poder na sociedade brasileira. Agora foram eleitas 45 deputadas. Vale dizer, não conquistamos uma só cadeira a mais. Ficanos nos 8,7% da Casa, um dos mais baixos índices do mundo. No Senado, as mulheres hoje são 10, o que representa 12% da casa. Na próxima legislatura serão 12. Quase nada de avanço.

Até agora, nenhuma mulher foi eleita para a Presidência da Câmara e do Senado mas, em 2006, a ministra Ellen Gracie quebrou o tabu no Poder Judiciário, elegendo-se para a Presidência da mais alta Corte do país, o STF.
Antes da eleição de Dilma no Brasil, dez mulheres foram eleitas no mundo para o mesmo cargo. Já foram eleitas seis mulheres sul-americanas, destacando-se entre elas as vizinhas Michelle Bachelet, do Chile, e Cristina Kirchner, da Argentina. A África também já elegeu Ellen Johnson-Sirleaf, na Libéria, e a Ásia, Glória Arroyo, nas Filipinas. A Europa, além de presidentes, teve também mulheres chefiando governos em sistemas parlamentaristas, como a primeira-ministra inglesa Margareth Tatcher e a atual chanceler alemã, Angela Merckel. Mas natural, isso ainda não é, no mundo todo.

Aqui, desde Paraguaçu, as mulheres avançam palmo a palmo. Há apenas 78 anos conquistamos o direito ao voto, pelo esforço de algumas e a graça de Getúlio Vargas, após a Revolução de 30. Antes, o direito era restrito às casadas, com autorização do marido, e às viúvas e solteiras com determinada renda. A constituinte de 1946 tornou o voto feminino obrigatório, tal como o dos homens. Em 1932, elegemos Carlota Pereira de Queirós como primeira deputada, mas a primeira senadora, Munice Michiles, só seria eleita décadas depois, em 1980. Em 1982 a paulista Esther Ferraz torna-se a primeira ministra de Estado, nomeada pelo presidente Figueiredo para a pasta da Educação. Doze anos depois, em 1994, Roseana Sarney torna-se a primeira governadora de estado, eleita no Maranhão.

A constituinte de 1988 assegurou a plena igualdade de gêneros e, logo depois, foi aprovada a lei das cotas, reservando inicialmente 20% e, a partir de 1997, 30% das candidaturas proporcionais para mulheres. Apesar delas, o alto custo das campanhas e outros vícios do sistema impediram avanços maiores.

Dilma prometeu honrar as mulheres e comprometeu-se com a reforma política. Os dois compromissos levam a uma reforma que adote o voto em lista, com alternância entre homens e mulheres, e o financiamento público exclusivo de campanhas. Os dois pontos já mudariam muito o cenário. Falta ver também que participação terão as mulheres em seu ministério. Bachelet indicou mulheres para um terço dos ministérios. Não precisou indicar desqualificadas e incompetentes.

(Tereza /Cruvinel, jornalista, diretora-presidente da Empresa Brasil de Comunicação)

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