sábado, 30 de julho de 2011

Cenas de Julho

Eles chegam em julho, todos os anos. Às vezes no início, às vezes no final. São aves migratórias, os patos canadenses, pretos e barulhentos. As garças, brancas e silenciosas. Vêm de longe, vêm do hemisfério norte.

Os patos voam em bandas e cobrem o lago como um tapete escuro. Ali, naquele rapido ritual predatório, eles mergulham e voltam com um peixe pequeno na boca. Levantam voo de forma ruidosa e vão pousar em outra parte do lado. Quando estão saciados, repousam no trapiche de madeira, que fica apinhado.

As garcaz enfeitam as margens, como um colar de pérolas alvas.  Cada qual faz seu mergulho, quando lhe apetece.

À noite, nao sei onde dormem.

Antes de Setembro, eles se vão.  Menos uma, a garça solitária que há alguns anos zanza por aqui.

Este ano está mais frio e mais ventoso.  Tempo de mudança. Mas as garças e os patos vieram mais numerosos, por alguma razão. Eles falam que a vida segue e que a natureza está em ordem, quando nos oferecem novamente o cartão postal do mês de Julho no Lago Norte de Brasilia.

TC

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Lá e Cá

Chego de Montevidéu ainda em tempo de receber Miguel e seu filho Pedro, de passagem por Brasilia, rumo ao Tocantins. Falo de Miguel Sousa Tavares, amigo da vida inteira, glorioso autor de Equador e Rio das Flores. Lucia Leão os recebe para mim no aeroporto, estou recebendo uma delegação chinesa. Flavio Mattos, da Radio Senado, satisfaz o desejo de Pedro, também jornalista, de ver o Congresso por dentro e funcionando. Como o pai há 30 anos,  ele se apaixona pela obras de mestre Niemeyer. À noite, convoco meu filho Rodrigo e sua namorada Bia a uma inescapável churrascaria e vou pegar Miguel e Pedro  para jantarmos. Na porta do hotel, encontramos o embaixador do Brasil em Lisboa, Mario Vilalva, que espera Paulo Portas, o chanceler do novo governo portugues. Miguel quer cumprimentá-lo. São amigos. Quem não é amigo de Miguel em Portugal? O homem se atrasa, Rodrigo me liga cobrando pontualidade. Filhos gostam de nos dar bronca quando têm razão.  O homem finalmente desce e nos conta que perdeu a mala, vindo de Joanesburgo para o Brasil, via Moçambique. E daqui irá para a posse de Humala, novo presidente do Peru. Teve que comprar roupas para tudo isso. Em nossa breve conversa, recordo o acordo que assinamos no ano passado, eu e Franklin Martins, então ministro da Secom, com o ministro Lacão e o presidente da RTP, Guilherme Costa, para criarmos um canal internacional lusófono. Precisamos retomar a implementação.  Ele me ouve, não diz que sim nem que não. Eu sei que o Governo dele  está pensando em privatizar a RTP, a Radio e Televisão de Portugal, o sistemá público deles.  Nao havia acreditado, mas a forma como me olhou, quando Miguel me apresentou, sugeriu que  é verdade.  E depois, quando fez que nao entendeu minha sugestão de retomarmos o acordo,  tive certea.

Daqui a pouco, enquanto Miguel, Pedro, Rodrigo e Bia se entregavam ao festim das  carnes (e eu também, por que nao dizer?), fiquei pensando e temendo: será que tudo o que eu tenho passado,  eu e todos os que têm me ajudado na construção da TV Brasil, um dia veremos uma coisa destas acontecer?  Não, não há de ser em vão.

Quando eu comecei a frequentar  Portugal, há muitos anos, lá só havia uma TV, a RTP, e Miguel trabalhava nela. Hoje lá existe a Sic, a TVi e outros canais mas é a RTP faz algumas coisas que o setor privado não faz. Nela ocorrem os grandes debates. Nela se faz um programa como o Lá e Cá, parceria com a TV Cultura, com Markun e Carlos Fino, que nós já exibimos. A RTP é que tem canais na e para a Africa. E muito mais.

Melhor comer carne para esquecer.

A caminho do aeroporto, no dia seguinte, passo com eles pela Ermida Dom Bosco, e nada  ali é como antes. Existe um condominio do lado esquerdo, que acabou com a amplidão e liquidou com silencio  que me fazia ouvir corujas. Como naquele fim de tarde, véspera da morte de Eduardo Martini, em dezembro de 1979. Eu sabia que me avisavam de algo, só  não imaginava o quê.

Desta vez não vi nem ouvi corujas. Miguel, que tanto ama o Brasil, foi conhecer mais um pedaço de chão, falar na Flit, a Feira Literária de Tocantins. Eu nao sabia dela, e saber que existe, naqueles confins, só aumentou minha certeza de que estamos nos transformando num grande pais de leitores. Dentre outras grandes coisas.

Não gosto do formato blog-diário mas acabei fazendo este.

TC

domingo, 24 de julho de 2011

Uruguai campeão: somos todos tão iguais....

Estou em Montevideo para a agenda bilateral de cooperação que envolve, neste encontro, Ciencia e Tecnologia e Cultura e Comunicação.   O ministros Aluizio Mercadante e Ana de  Hollanda lideram a delegação brasileira.   O DocMontevideo é um grande encontro do audiovisual e dos organismos de comunicação pública da região  e coincidiu com esta agenda. Para ele, especificamente, virá o Rogerio Brandão, diretor de  Produção e Programação da TV Brasil.

Mas este nariz de cera todo foi para contar algo  bem simples  mas bem interessante.   Chegamos meios famintos e fomos comer no mercado local. Fui com Grassi, presidente da Funarte, a secretaria Marta Porto, de Cidadania e Diversidade Cultural, do Minc, e o presidente da Bibilioteca Nacional, Galeno Amorim.  O jogo Uruguai x Paraguai, final da Copa América, estava começando.  O cordeiro foi traçado entre um gol e outro, quando tudo parava até que o furor passasse. Um furor bem parecido com o dos brasileiros em jogos decisivos, seja da seleção ou dos diferentes times.  Gritos, fogos, vivas, urros. Garçons largavam a garrafa que estavam abrindo ou o prato que estavam levando a uma mesa e só retomavam o serviço depois de cada celebraçao..  Terminamos, pagamos a conta mas esperamos pelo fim do segundo tempo. Faltavam uns dez minutos. Os uruguaios nervosos como os brasileiros   em horas parecidas. Gente roendo unha, fumando desesperadamente, bebendo sofregamente, esfregando as mãos, gritando com os jogadores no video como se pudessem ouvir...
Eles ganharam, a celebração tomou conta das ruas, nas quais jogam  buscapés do alto dos eficios...voltamos a pé para o hotel, celebrando com eles.  Quatro pessoas passando com indiferença até chamariam a atenção...Sou quase indiferente ao futebol mas fiz um esforço,  imitando os  vivas do Grassi,    tomada por sincera emoção ao ver o quanto esta conquista foi importante para os uruguaios.

Nós, latino-americanos, no fundo tão parecidos...  Parecidos mas desiguais, social e economicamente. Contras as assimetrias e pelo desenvolvimento mais equilibrado da região, temos a aposta na  Integraçao e a cooperação regional,  nasquais o Brasil tem mesmo que fazer uma boa e significativa parte da tarefa.  Dever do mais rico, como não?

sábado, 2 de julho de 2011

Itamar, que nasceu no mar ...

Vi os telejornais, nesta noite em que Itamar está sendo velado em Juiz de Fora. Inclusive o nosos, da TV Brasil, que estava muito bom, com trecho da entrevista que o ex-o presidente  nos deu para a série Presidentes do Brasil Democrático. A dele, feita por Azedo, no 3 a 1, com Helena Chagas e Tales Faria.  Falou-se quase tudo sobre Itamar Franco. O topete. Quando ele  era presidente, os jornalistas que cobriamos ou frequentavmos o Palácio nos referíamos a ele como "O topete".  Naquele tempo,  o cabelo nao estava completamente branco, como agora, quando morreu. Morreu senador, posto que o trouxe para a  politica, na gloriosa eleição de 1974, em que a ditadura levou uma sova do MDB nas urnas.

Mais de  uma vez, em nossas conversas, ele me contou casos da campanha em que percorreu Minas num fusquinha. E uma noite chegou a Coromandel. Como sabem, minha familia Cruvinel é de lá. Eu mesma sou do meio rural, nasci na fazenda mas vivi uns tempos na meritória cidade, onde estudei até o segundo ano primário. A familia de minha mãe é de Abadia dos Dourados, onde nunca vivi na cidade mas morei na fazenda do meu avô. De modo que não sou de uma nem de outra, para não desagradar a ninguem. Itamar me contava que chegou a Coró no inicio da noite, não tinha nada marcado com ninguem. Viu uns jovens estudantes na praça (devia ser a pracinha defronte ao cinema porque só mais tarde fizeram a grande praça Abel Ferreira). Parou o fusca, com o amigo que o acompanhava, e ficou ali um tempão, falando contra a ditadura para os estudantes de Coromandel. Causos à parte, Itamar foi votadíssimo e somou-se à bancada da oposição eleita naquele pleito: tinha Orestes Quercia,   Paulo Brossard, Marcos Freire e outros monstros que se consagraram a seguir.

Muitas de suas virtudes foram reconhecidas hoje, inclusive a paternidade do Plano Real. Mas uma delas em quero registrar aqui,  embora outros possam ter se referido a ela: Itamar cumpriu um mandato tampão de dois anos e pouco, após o impeachment de Collor em 1992. Mais que qualquer outro, poderia ter patrocinado a emenda da reeleição. Mas preferiu apenas  terminar seu governo de transição. O Real lhe permitiu eleger seu  ministro da Fazenda, Fernando Henrique,  como sucessor.  O mesmo Real permitiu a FH aprovar a emenda da reeleição e reeleger-se.

Itamar, neste caso, fez o mesmo que Lula: resistiu ao canto das sereias para garantir a normalidade democrática. E ele  estava certo. Aquele momento, ainda conturbado pelo impeachment, nao recomendava tão importante mudança constitucional. FH fez isso num momento melhor, com as coisas mais serenadas.

Vai com Deus, Itamar, que nasceu no mar e fez de Minas sua terra amada.

TC