Artigo publicado no sábado, 24 de março, na página de Opinião do Correio Braziliense. É justo e compreensível odifusão contentamento com o "endurecimento" da presidenta na relação com o Congresso. Mas é necessário refletir sobre nosso sistema político, suas pecualiaridades e exigências para que continuemos avançando na construção da democracia brasileira. TC
Dilma, a crise e o presidencialismo de coalizão
Apesar
da estrepitosa trombada com sua base parlamentar e das retaliações sofridas, a presidenta
Dilma Rousseff tem negado a existência da crise e deliciado certo pensamento
anti-política ao reiteirar que “não cede
a pressões”. A negação,
retórica ou real, aumenta as preocupações (fortes no PT) com este vôo solo e
conflitivo, rota que pode ser acentuada
pela pesquisa que vem aí, apontando nova
alta em sua popularidade.
Ficou-nos
do general prussiano Carl von Clausewitz a lição de que até mesmo a guerra é comandada
pela política, formulação que muito
interessou a Lênin ao definir a
revolução como extremo da política. Por isso é preocupante qualquer entendimento
de que a política não deve comandar a própria política, ou seja, as relações
com os partidos e o Parlamento e a dinâmica do processo legislativo.
Além do
desconforto da presidente com as exigências da política, os fatos recentes explicitaram uma diferença essencial entre Dilma e o ex-presidente Lula, para além dos contrastes festejados
pelos anti-lulistas que destacam na presidenta atributos como a elegância litúrgica e a
palavra contida. Vê-se que eles têm
compreensões muito distintas sobre a natureza e as exigências de nosso presidencialismo
de coalizão, esta feliz expressão com que o cientista político Sergio Abranches
definiu nosso regime político-partidário e suas condicionalidades. Frustrando os que apostaram no fracasso de
seu governo, Lula (ainda tendo Dirceu a seu lado) entendeu os ditames da coalisão e a importância da
credibilidade (interna e externamente) da
moeda e da política econômica. Compartilhou o Governo até com ex-adversários e beijou o altar de
fundamentos econômicos que ele e o PT
haviam negado.
Na fase
democrática que vivemos, Sarney governou
sob o tacão de um PMDB hegemônico, liderado por Ulysses Guimarães, mas garantiu a
coabitação com o PFL criado pelos dissidentes da ditadura para garantir a
eleição de Tancredo no Colégio Eleitoral
e viabilizar a transição. Collor
ignorou as condicionalidades, e na hora
H, isso pesou a favor do impeachment. Itamar
teve claríssima compreensão do próprio papel e montou um governo de conciliação, no qual só
faltou o PT, que preferiu ficar fora (e disso
Lula já se penitenciou). Fernando Henrique e o PSDB frustraram parte
da base social tucana ao se aliarem ao PFL.
O ex-presidente explicou à exaustão que, no Brasil, um partido até pode
ganhar sozinho, mas não governa nem promove mudanças, como ele fez. Lula
escolheu outros parceiros mas seguiu a receita, assegurando a governabilidade e
novos importantes avanços para o Brasil..
Dilma, tida como essencialmente gestora e técnica, dá sinais de desconforto com as regras do presidencialismo de
coalizão. Reagindo a denúncias de
irregularidades, afastou seis ministros, de partidos diversos. Colheu aplausos
da mídia e desgaste com os aliados, especialmente com o PMDB. Recentemente, ela neutralizou um aceno que
fizera aos aliados, quando chorou (contidamente, é claro) ao empossar o senador Crivela, do PRB, no lugar do petista Luiz Sergio. Quando lamentou as imposições da
governabilidade, revelou o desgosto com os comandos da política. Na semana
passada, , após a rejeição do Senado ao nome que indicara para uma agência
reguladora, ela pôs fogo na fervura ao
substituir os líderes do Governo nas duas Casas de modo unilateral, quase
imperial.
Um bom
conselheiro teria dito que isso não se faz assim. Ato contínuo, o PMDB indicou o defenestrado
Romero Jucá para o estratégico posto de relator
do Orçamento. Para seu lugar, Dilma
indicou o senador Eduardo Braga (AM), da
ala minoritária do PMDB. Na política,
isso é anti-natural. A escolha ainda
ajudou a empurrar para a oposição o adversário local Alfredo Nascimento e seu
PR. Na Câmara, Dilma substituiu Cândido
Vacarezza, da ala majoritária do PT, por Arlindo Chinaglia, que como o presidente da Casa, é de ala minoritária. Não pode o PT estar
feliz se os dois cargos mais importantes estão com a minoria. Mas nesta altura,
esta questão ficou menor. A preocupação real é com a possibilidade de Dilma
manter a rota altaneira, amparando-se na popularidade e na economia para
rejeitar os ditames da política. Aquela que comanda até a guerra.
Tereza Cruvinel é jornalista, colaboradora do Correio e
titular do blog Tema Livre: WWW.terezacruvinel.blogspot.com
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